14 Agosto 2023

🇵🇹De Jerusalém a Lisboa, os bastidores da exposição “Jerusalém, Teatro do Mundo” no Museu Calouste Gulbenkian

de BLANDINE PAILLARD E FRANçOIS-JOSEPH KLOS

A partir de 10 de novembro, é inaugurada no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a exposição “Jerusalém, Teatro do Mundo”. Serão expostas obras do Terra Sancta Museum, o ambicioso projeto cultural da Custódia da Terra Santa. A equipa do museu fala-nos dos longos meses de preparação dos bastidores desta extraordinária exposição!

Todas as exposições começam com uma intuição ou, mais precisamente, por pessoas inspiradas! Estamos no verão de 2021, e a ideia surge de Portugal e do atual diretor do Museu Calouste Gulbenkian, Professor António Filipe Pimentel. Este foi inspirado por um grupo de personalidades portuguesas que quiseram organizar uma exposição com a Custódia da Terra Santa. Logo, estava decidido a dar-lhe vida no Museu Gulbenkian, considerado o melhor museu de Lisboa. O Professor Pimentel sugeriu que Jacques Charles-Gaffiot, membro da Comissão Científica do Terra Sancta Museum, e André das Neves Afonso, Conservador de Ourivesaria e Joalharia do Museu Gulbenkian, fossem designados para a curadoria da exposição. Que ideia brilhante!

Juntos, combinando os seus conhecimentos e experiências, iam encontrar um espírito e um nome para a exposição. Jacques Charles-Gaffiot explica: “O objetivo é oferecer um evento especificamente dedicado a Portugal, sem duplicar a exposição incrível que teve lugar em Versalhes sobre o Tesouro do Santo Sepulcro, que decorreu de abril a julho de 2013”. Os dois curadores decidiram, por isso, adotar uma “abordagem cronológica para nos ajudar a compreender o contexto histórico em que estas obras de arte se acumularam aqui, em Jerusalém, e o contributo dos frades franciscanos“. Desta forma, chegaram rapidamente ao nome da futura exposição, “Jerusalém, Teatro do Mundo” em homenagem à cidade santa e universal.

ESPECIFICIDADES DESTA EXPOSIÇÃO

A etapa seguinte na génese da exposição foi a seleção das obras. Jacques Charles-Gaffiot, conhecedor das colecções da Custódia há mais de dez anos, propôs inicialmente uma lista. Esta foi reformulada para se adaptar aos espaços e à história que os curadores queriam contar, sendo acrescentadas numerosas pinturas ao projeto para criar um diálogo com as obras expostas. Neste caso, trata-se de uma pintura representando Santa Helena e a criação da Santa Cruz (do Museu Nacional Machado de Castro), que será colocada ao lado de objectos ligados a esta relíquia. 

Embora as doações portuguesas da Custódia tenham tido um lugar de destaque nesta lista, a Gulbenkian incluiu também peças emprestadas por outros museus europeus, o que não aconteceu em Versalhes. Por exemplo, uma maqueta em mármore do século IV-V da Edícula do Santo Sepulcro da basílica constantiniana, emprestada pelo Museu de Narbonne. Também está prevista a exposição do exemplar mais antigo da Viagem de Egéria, ainda existente, proveniente da biblioteca de Arezzo. 

EM CONTACTO COM AS OBRAS

Uma vez definida a lista de obras, a preparação da exposição deu lugar ao contacto com os objectos.  Na primavera de 2022, André das Neves Afonso, acompanhado por Mariano Piçarra, coordenador de projectos e instalações do Museu Gulbenkian, foram a Jerusalém pela primeira vez para finalizar o contrato de empréstimo com a Custódia. No seguimento desta viagem descobriram finalmente as obras destinadas a serem expostas. Nesta ocasião, a equipa apercebeu-se de que algumas destas últimas peças, precisavam de ser restauradas.

Assim, uma segunda equipa deslocou-se a Jerusalém no final de setembro de 2022. Desta vez, André das Neves Afonso foi acompanhado por dois especialistas de renome: Belmira Maduro, conservadora-restauradora de metais do Laboratório Nacional José de Figueiredo, e Rui Xavier, conservador da coleção de laca asiática e responsável pela conservação preventiva do Museu Gulbenkian.

A tarefa desta nova equipa consistia em elaborar relatórios sobre o estado dos objectos seleccionados. Durante vários dias, os peritos dissecaram cada objecto, tentando extrair o máximo de informação possível para ajudar a organizar o seu transporte e restauro. Se os objectos foram dissecados no sentido figurado, também o foram no sentido literal. Uma vez que, os nossos peritos desmontaram cada objecto com uma delicadeza e segurança, que teriam feito inveja a um cirurgião.

Incansavelmente, vimo-los a circular e a rodar em torno dos objectos. Parando e fixando um elemento, um pormenor, sempre com um brilho nos olhos, principalmente quando um novo tesouro era desenterrado das reservas da Custódia. As análises foram por vezes fatigantes, como no caso de um par de castiçais de prata maciça com mais de dois metros e quarenta centímetros, cujas grandes dimensões dificultavam a sua observação. Deixamos-vos a imaginar o desafio de fazer as caixas para transportar estas obras de arte!

UMA PROCISSÃO INVULGAR NA CUSTÓDIA…

No início de maio de 2023, chegou o grande dia! A tranquilidade habitual da Cúria Custodial foi quebrada pela chegada de imponentes caixotes de madeira que em breve conteriam os preciosos objectos das colecções do Terra Sancta Museum. As obras foram transportadas numa grande procissão por todo o convento. De imediato, mobilizaram-se os transportadores Sonigo, os Irmãos e os voluntários. O Frei Rodrigo Machado Soares, Guardião do Convento e do Cerimonial, é o responsável pela organização e dirige as operações com mão de mestre.

Em Lisboa, estarão expostos um total de 74 objectos da Custódia da Terra Santa, incluindo documentos de arquivo como magníficas firans otomanas, obras litúrgicas antigas e os selos originais da Custódia. No entanto, a maioria dos objectos são obras de arte, muitas vezes portuguesas, incluindo uma lâmpada relicário doada por D. João V e uma imponente bacia doada por D. Pedro II de Portugal. Por seu lado, Mafalda Fernandes, conservadora-restauradora, envolve delicadamente as colecções têxteis em papel de seda. Estas peças mais leves são as últimas a serem embaladas nos caixotes.

A exposição transportará os visitantes para o tempo das grandes monarquias europeias através de obras-primas como este esplêndido baldaquino eucarístico doado pelo Reino de Nápoles em 1754! No entanto, as peças do Terra Sancta Museum têm uma particularidade. A sua doação tem como propósito: a celebração do culto do Santo Sepulcro.  Os turistas da cidade velha e os peregrinos da Basílica do Santo Sepulcro assistiram a um espetáculo estranho: a desmontagem e o transporte do monumental baixo-relevo da Ressurreição (1736), anteriormente exposto na Capela Latina do Santíssimo Sacramento. Guiados pelo Frei Stéphane Milovitch, Superior do Santo Sepulcro e Diretor dos Bens Culturais, os funcionários do Gabinete Técnico da Custódia transportaram estas “276 libras de prata” (mais de 120 quilos de prata!) com a maior delicadeza. Algumas ruas mais à frente, graças à agilidade dos funcionários da Custódia, encontrámos o baixo-relevo instalado no seu caixote, pronto a partir para Lisboa.

UMA DAS ÚLTIMAS EXPOSIÇÕES DE OBRAS

Rui Xavier examina uma cruz de lápis-lazúli doada pelo Reino de Nápoles em 1757. Enquanto aponta as imperfeições do objeto, explica os métodos utilizados para restaurar a preciosa cruz. Desta forma, descobrimos que a cruz estava montada numa base de madeira e que se foi deteriorando ao longo dos anos. Graças à exposição no Museu Gulbenkian, 18 objectos serão agora restaurados e poderão ser admirados por detrás das janelas do Terra Sancta Museum.

Após uma semana de trabalho, com uma dúzia de manuseadores e dois camiões mobilizados, as obras estão agora a caminho do aeroporto: a grande partida para Lisboa é iminente! O próximo passo é a campanha de restauro coordenada pelos especialistas do Laboratório José de Figueiredo.A exposição no Museu Gulbenkian será uma das últimas antes do início dos preparativos para a abertura do Terra Sancta Museum, prevista para 2026. Amigos portugueses, não percam este evento! Quando perguntámos à equipa da Gulbenkian sobre esta próxima exposição, as respostas não tardaram. “Acho que vai ser A exposição, a grande exposição do ano para a Gulbenkian“, diz Rui Xavier, enquanto os seus colegas acrescentam: “É difícil encontrar algo bonito depois de ver as ofertas de Carlos III de Bourbon à Custódia”, partilha André das Neves Afonso com um largo sorriso. E podem confiar neles! Vemo-nos em Lisboa no dia 10 de novembro!

Tradutor : Gabriel Marques

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